O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública contra o Grupo Algar, composto pelas operadoras de telefonia Algar Telecom e Algar Celular (antiga CTBC). A ação pede que a Justiça Federal reconheça e declare a qualidade deficitária do serviço de telefonia móvel prestado pela Algar aos seus assinantes nos municípios de Araguari, Araporã, Indianópolis, Monte Alegre de Minas, Nova Ponte, Tupaciguara e Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
“Esse reconhecimento do vício na prestação do serviço é necessário para fundamentar a condenação do Grupo Algar por danos materiais causados aos consumidores nos últimos cinco anos, obrigando-o a restituir os valores pagos por serviços que não foram recebidos ou foram recebidos de forma deficiente”, explica o procurador da República Leonardo Andrade Macedo.
A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) também é ré na ação, em razão da sua conduta omissiva ou insuficiente no cumprimento da legislação e na fiscalização dos serviços prestados pelas operadoras do Grupo Algar.
Para o Ministério Público Federal, a compreensão do dano causado aos consumidores é simples: basta que se leve em conta que, quando o usuário utiliza seu telefone celular, sua expectativa é a de conseguir efetuar e receber chamadas e que suas ligações não sejam interrompidas. Do mesmo modo, se contratou o acesso à rede de dados, o usuário espera ter todas as condições para navegar pela internet ou utilizar suas redes sociais e aplicativos, sem que ocorra qualquer interrupção do fluxo de dados.
No entanto, o que se apurou, de acordo com o MPF, é que, “pelo menos de 2013 até o terceiro trimestre de 2019, o Grupo Algar prestou serviços de telefonia móvel fora dos padrões de qualidade adequados e, sob o ponto de vista dos usuários residentes nos municípios indicados, de forma viciada e aquém do que deveria ter sido possibilitado em razão dos respectivos contratos de prestação”. Na média dos resultados trimestrais, os indicadores de acesso das redes de voz e dados estiveram abaixo de 85% e os indicadores de queda das redes de voz e dados acima de 5% nos sete municípios citados na ação.
Com isso, a totalidade das pessoas que contrataram o Serviço Móvel Pessoal (SMP) da operadora receberam serviços impróprios, o que lhes garantiria o direito à restituição dos valores por serviço pago e não recebido.
Reclamações frequentes – Para demonstrar a situação em que se encontra a prestação do serviço de telefonia no Brasil, que, segundo pesquisas realizadas pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), instituição ligada à ONU, possui um das tarifas mais altas do mundo, a ação cita diversos dados oficiais, inclusive da própria Anatel, indicando o descontentamento dos usuários.
Em 2012, por exemplo, os serviços de telefonia celular, telefonia fixa, TV por assinatura e internet, foram responsáveis, juntos, por mais de 20% dos atendimentos de PROCONs em todo o país, tendo os serviços de telecomunicações figurado no topo da lista de reclamações dos consumidores dirigidas ao Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (SINDEC).
Entre 2014 e 2016, o mesmo segmento do mercado foi responsável por 50,5% das reclamações apresentadas aos fornecedores por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), destacando-se que a telefonia móvel pós-paga, entre todos os serviços e produtos que geraram reclamações, figurou como o segundo assunto mais reclamado e a telefonia móvel pré-paga ficou em sétimo lugar.
Demanda crescente – O MPF também traz dados que demonstram o crescimento do mercado de telefonia móvel não só no Brasil, mas em todo o mundo. Em cerca de 13 anos (de 2005 a 2018), os 2,2 bilhões de códigos de acesso ativos no mundo saltaram para 8,1 bilhões. Nos países em desenvolvimento, no mesmo período, a relação do número de códigos de acesso ativos por 100 habitantes saltou de 22,9 para 102,8.
No Brasil, em janeiro de 2005, havia 53,5 milhões de códigos de acesso ativos na modalidade pré-paga, e 13 milhões na modalidade pós-paga. Em março de 2018, esses números já eram de 145,1 milhões e 90,6 milhões, respectivamente, totalizando 235,7 milhões de códigos de acesso.
“Ou seja, desde pelo menos 2018, o número de telefones móveis no Brasil já é maior do que a população brasileira, que está estimada em 209 milhões de indivíduos”, diz Leonardo Macedo, para lembrar que “a todo esse crescimento deveria corresponder um significativo investimento em infraestrutura, mas, na prática, não é o que vem acontecendo. De fato, a qualidade do Serviço Móvel Pessoal está associada, entre outros fatores, ao número de usuários, de modo que, quanto mais forem os usuários, menor tenderá a ser a qualidade da telecomunicação possibilitada pela infraestrutura disponível para a prestação do serviço”.
O procurador da República explica que “a relação direta entre alta na demanda do serviço e queda de qualidade, caso não haja aumento da infraestrutura, é tão evidente, que os próprios contratos-padrão de prestação do Serviço Móvel Pessoal fazem menção a tal situação, embora digam que ela decorre de aspectos intrínsecos, relacionados à propagação de ondas eletromagnéticas, em especial para as faixas de frequência adotadas na prestação do SMP”.
Segundo a ação, “A continuidade da inadequação da qualidade, nesses casos, sugere que ela decorre, preponderantemente, de falhas na estrutura da rede de transmissão de dados do tipo backhaul, que fazem a ligação de redes locais com as redes centrais da internet (backbone), e não apenas da insuficiência de elementos das redes locais, como ERBs etc. Não fosse por isso, provavelmente, já se teria chegado a uma solução para a questão da prestação do serviço com qualidade inferior à devida”.
“E se consideramos que, em 05/09/2018, apenas 63,6% dos municípios brasileiros possuíam backhaul de fibra óptica, como informado no próprio site da Anatel, chegamos à conclusão que não parece estar ao alcance, em curto prazo, a solução necessária para que os indicadores de qualidade passem a ser aceitáveis naqueles lugares onde isso ainda não ocorre, como é o caso dos municípios citados na ação, já que ela exige não só investimentos por parte da operadora, mas também a implantação de infraestrutura ainda não disponibilizada”, conclui Leonardo Macedo.
Direitos do consumidor – O MPF afirma que existe todo um arcabouço legal amparando os direitos dos usuários, a começar da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997), que, além de tratar da organização e exploração desses serviços, inclusive classificando-os como essenciais, também define o papel da Anatel e a necessidade de proteção dos direitos dos usuários, cabendo ao Poder Público tanto garantir que a população tenha acesso às telecomunicações “a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas”, como reprimir infrações aos direitos dos usuários.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), por sua vez, também contém diversos dispositivos que, ao reconhecerem a vulnerabilidade dos consumidores frente ao poder das grandes empresas, estabelecem o direito dos usuários ao recebimento de serviços com padrões adequados de qualidade e desempenho e a correspondente reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos caso isso não ocorra.
Indicadores de qualidade – O MPF defende que os serviços de telecomunicações possuem natureza de serviço público essencial, cujo fornecimento é concedido à iniciativa privada. Nesse sentido, o artigo 22 do CDC dispõe que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob
qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”, e em caso de “descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados”.
“Este é exatamente o caso de que estamos tratando na ação”, afirma Leonardo Macedo. “Temos a comercialização de um serviço que, posteriormente, não é prestado adequadamente, apesar da intensa exposição dos consumidores à publicidade prévia – prática adotada por todas as operadoras de telecomunicação em operação no país –, e sem que haja qualquer sanção efetiva por parte do órgão fiscalizador. O consumidor paga por um serviço que não recebe ou que recebe de forma deficitária, o que é ilegal segundo as leis brasileiras”.
O procurador da República lembra que a própria agência reguladora já documentou a ineficiência do serviço ao estabelecer os Planos Nacionais de Ação de Melhoria da Prestação do SM: “Nesses planos, a Anatel definiu que as operadoras devem tomar medidas que melhorem aspectos relacionados à qualidade do serviço, de que são exemplos, as que garantam o completamento de chamadas e evitem a interrupção do serviço. Ou seja, a escolha, pela agência reguladora, dos indicadores de acesso e queda das redes de voz e dados como aptos a gerar como indicadores críticos de qualidade decorreu da singela circunstância de que eles representam o aspecto mais importante do SMP para os usuários dos serviços, sob a ótica da adequação à finalidade a que este se destina, e também a sua face mais perceptível e facilmente identificável pelo usuário”.
Pedidos – A ação pede que a Justiça Federal condene a Algar à reparação dos danos materiais sofridos pelos consumidores que, nos últimos cinco anos, contrataram seus serviços e os receberam de forma deficiente, por meio da restituição de quantia correspondente a 5% do valor cobrado pela prestação do serviço, multiplicado pelo número de meses formadores dos trimestres em que foram ou vierem a ser constatados indicadores críticos de qualidade, considerando-se cada indicador de forma individual, com o devido acréscimo de juros e correção monetária.
“Sabemos que a identificação dos lesados e da quantia a restituir passará necessariamente pela verificação da fidedignidade dos dados mantidos nos registros informatizados e cadastros da operadora ré, aos valores cobrados indevidamente, ao período em que isso ocorreu e que eventualmente ainda vier a ocorrer, o que, obviamente exigirá atuação da Anatel para fiscalizar o cumprimento efetivo do que for determinado pelo Justiça, já que a agência detém os meios e a técnica voltados a essa finalidade”, explica Leonardo Macedo.
O MPF também pediu a condenação das rés ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, pois tanto a conduta ilegal da Algar, quanto a conduta indevidamente omissiva ou insuficiente da Anatel, “frutificam a crença de que o Poder Público é incapaz de garantir o cumprimento das normas legais, especialmente em face dos poderosos e de grandes corporações. Resulta daí que a própria imagem do Estado fica desprestigiada”.
Nota
O V9 Vitoriosa solicitou nota da Algar e aguarda retorno.