Em tempos de escassez de água, o Rio Piedade, no Triângulo Mineiro, está se tornando pequeno demais para a demanda de produtores rurais e de energia, além do abastecimento humano. Desde 2009, o município de Centralina vem enfrentando dificuldades anuais na captação para abastecimento. Enquanto isso, uma usina hidrelétrica acumula R$ 17 milhões de prejuízo e produtores rurais se queixam de multas e autuações de órgãos ambientais e do Ministério Público.
A disputa pelas águas do Rio Piedade se somou às já antigas queixas dos produtores rurais com relação ao excesso de burocracia e demora nos processos públicos de outorga (autorização) para uso agrícola da água.
Em busca de um entendimento, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou, nesta segunda-feira (4/12/17), uma audiência pública em Tupaciguara (Triângulo), por meio da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
A região do Alto Rio Piedade, desde 2005, foi oficialmente classificada como área de conflito hídrico pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Essa classificação foi ampliada em 2009, por meio da Declaração de Área de Conflito (DAC) 5/09.
Com isso, novas outorgas para uso de água na região ficam proibidas. Participantes da audiência pública criticaram o Igam por não ter divulgado essas declarações de conflito na época devida.
Autorizações para uso de água superariam capacidade do rio
O advogado Whelliton Ribeiro, que representou a Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Piedade na audiência pública, mostrou documentos em que o Estado garante a disponibilidade de água na região em 2007, mesmo após a declaração de área de conflito hídrico pelo Igam.
A PCH Piedade é uma obra da Construtora Gomes Lourenço, de São Paulo (SP), e é operada por uma holding de sua propriedade, a Glep Energias Renováveis e Participações S/A. Apesar de só ter entrado em operação em agosto de 2010, a PCH Piedade recebeu sua licença prévia em 2004.
Desde 2013, segundo Whelliton Ribeiro, a usina tem sofrido com a escassez de água e não tem conseguido cumprir seus compromissos de geração de 12 megawatts anuais de energia. O prejuízo, segundo ele, já chega a R$ 17 milhões. Para o advogado, está claro que, atualmente, o volume de outorgas concedidas pelo Igam já superou a capacidade da bacia.
Enquanto representantes da usina se queixaram aos órgãos ambientais de que produtores rurais da região estariam captando água de forma excessiva e não autorizada, os fazendeiros devolvem a acusação, afirmando que a usina está represando mais do que estaria autorizado.
O presidente da Associação dos Produtores Rurais de Centralina e Região, Márcio Custódio de Araújo, ressaltou que, no município, chegou a faltar água para o abastecimento humano.
Já o produtor rural Marciano de Paulo Marques, diretor administrativo da Associação dos Usuários da Bacia Hidrográfica do Alto Rio Piedade, disse ser necessário um entendimento entre todos os setores que utilizam a água na região, principalmente os produtores rurais e a PCH Piedade.
Ele exibiu um vídeo em que um acordo desse tipo foi fechado na região de Cristalina (GO). Naquela região, a Usina de Batalha aceitou abrir mão de 10% de sua outorga de água para viabilizar novas licenças para os produtores rurais.
Deputados criticam falta de estrutura governamental
Os deputados presentes na reunião defenderam o entendimento e apontaram a falta de estrutura dos órgãos ambientais como uma das causas da crise hídrica na região. “Temos só nove superintendências de meio ambiente (Suprams) no Estado. Precisaríamos de pelo menos 17”, lamentou o deputado Leonídio Bouças (PMDB), presidente da CCJ.
O parlamentar afirmou que a negociação é indispensável e deveria ser coordenada em nível regional. “Se não houver uma saída negociada, esse processo acabará sendo judicializado”, advertiu.
O deputado Felipe Attiê (PTB) lamentou que o Brasil tenha importado uma legislação ambiental muito avançada, sem ser capaz de criar uma estrutura suficiente para implantá-la e operá-la de maneira eficiente.
Já o deputado Luiz Humberto Carneiro (PSDB) ressaltou a importância de todos contribuírem para a preservação dos recursos hídricos. Ele comemorou a recente aprovação do PL 1.947/15, de sua autoria, que obriga as concessionárias de abastecimento de água e energia a investirem na recuperação de nascentes um percentual de seu faturamento.
Entendimento – O promotor Carlos Alberto Valera disse que o Ministério Público está disposto a converter os autos de infração já efetivados em termos de ajustamento de conduta (TACs). “O que me parece é que cada um hoje executa suas funções sem pensar além de sua propriedade. Água não falta. Falta manejo”, afirmou.
Valera é o coordenador regional das promotorias do Meio Ambiente das Bacias dos Rios Paranaíba e Baixo Rio Grande. Os TACs propostos, segundo ele, podem autorizar que parte das medidas compensatórias possam ser aplicadas na contratação de consultorias para manejo de recursos hídricos.
O superintendente regional de Meio Ambiente do Triângulo Mineiro, José Vítor Aguiar, propôs que a Supram coordene um entendimento entre todos os envolvidos no consumo de água da Bacia do Piedade.
ALMG