Eles não usam algemas, farda ou armas de fogo, mas têm conduta e disciplina exemplares. Em alerta ao primeiro sinal de comando, estão sempre preparados para entrar em ação. Com seus sentidos aguçados, os cães que auxiliam no trabalho de segurança nas unidades prisionais do Estado são os parceiros ideais na busca por materiais ilícitos e na contenção de possíveis agitações ou fugas.
A presença dos cães nas equipes de polícias ou agentes de segurança penitenciários é rotineira em todo o mundo. Esses cachorros passam por treinamentos especiais para poderem assumir seus “cargos” em cada uma das corporações, de acordo com a função que irão desempenhar. No Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen MG), da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), os cães são usados em situações de faro, segurança, imobilização e captura.
O cão de faro é especialista em localizar materiais ilícitos como drogas, aparelhos celulares ou explosivos que por ventura tenham entrado nas unidades prisionais. Já o cão de captura é usado nas rondas de rotina ou na escolta durante o banho de sol auxiliando em possíveis contenções, impedindo tentativas de fuga e, até mesmo, na busca e captura de foragidos.
Atuando no sistema prisional com cães há mais de 16 anos, o coordenador do canil central do Depen MG, Fábio Hespanha, explica que todos os cães são treináveis, mas para o trabalho na segurança algumas raças são mais aptas do que outras. “As raças que trabalhamos no sistema prisional em Minas são, em sua maioria, pastor alemão, pastor belga malinois e rottweiler. Tanto os machos quanto as fêmeas são treinados, respeitando sempre o porte e a aptidão maior de cada raça”, detalha.
Para o trabalho de faro são usados os pastores alemães e belgas malinois por serem raças consideradas sociáveis, com a força e a resistência adequadas às atividades. Já os rottweilers são usados no combate à subversão da ordem, revistas e tentativas de fuga, considerando o efeito psicológico, imposto pelo porte físico e pela força característicos da raça.
Atualmente, a maioria dos cães que trabalham no sistema prisional são crias dos canis das unidades e começam os treinamentos ainda filhotes, com mais ou menos dois meses de idade. No início, eles aprendem obediência de comandos básicos e socialização com os agentes. Conforme vão crescendo recebem treinamentos específicos para as funções que vão desempenhar.
Segundo Hespanha, o treinamento é uma espécie de brincadeira, um desafio, em que são despertadas e fortalecidas suas habilidades. “Nós buscamos estimular, sempre por meios de brincadeiras, a coragem, a atenção, o interesse, a obediência e o preparo físico. Eles se divertem durante o treinamento. Assim, conquistamos a sua lealdade e despertamos as melhores características que cada cão tem em sua genética”, diz.
Hespanha explica também que o olfato desses animais é delicado e muito apurado. Eles conseguem facilmente discernir um odor específico, mesmo quando existe mais de um cheiro ao seu redor. Drogas, explosivos e equipamentos telefônicos (celulares, carregadores, chips, etc.) são os principais alvos de busca dos “cães agentes” nas penitenciárias.
Para executar bem essa função, durante o treinamento os cães farejadores são expostos a odores típicos de substâncias ou materiais que irão buscar. Esses elementos são escondidos em diversos objetos para treinar seus faros. Com o passar do tempo, o cão consegue captar o cheiro da droga mesmo se ela estiver misturada a outros componentes com cheiros distintos na intenção de disfarçar o odor do material ilícito.
“Esse treinamento auxilia muito nas buscas dentro de celas já que há uma mistura de cheiros nesses ambientes, como de alimentos e produtos de higiene pessoal, por exemplo”, diz.
Rotina dos “cães agentes”
Atualmente, cerca de 300 cães atuam em mais de 60 unidades prisionais do Estado. Os 360 agentes que lidam diretamente com esses cachorros passam por treinamentos elaborados pelo Grupo de Operações com Cães (GOC) do canil central do Depen, localizado no Presídio Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
O Depen está padronizando os treinamentos e, por meio da Superintendência Educacional de Segurança Pública, foi oferecido o “Curso de Operações com Cães em Ambientes Carcerários em Mina Gerais”. O objetivo é capacitar os agentes penitenciários para que sejam capazes de identificar e atuar com destreza e segurança com os cães.
No curso, além de aprenderem a treinar e a atuar com os cães, os agentes são orientados a usar os cachorros somente em casos previstos pela lei e observando os direitos humanos e o uso diferenciado da força. A perspectiva é que em 2020 todos os agentes que atuam nos canis passem pelos treinamentos.
Na rotina dos canis alguns cuidados simples são indispensáveis, como estabelecer períodos de descanso durante os treinos, alimentação balanceada, disponibilizar água fresca, garantir a manutenção da limpeza dos boxes onde os cães ficam para evitar qualquer contaminação, além de prezar pelos exames rotineiros para monitorar e cuidar da saúde dos animais.
Assim como acontece em outros canis de unidades prisionais do Estado, os cães do canil central são doadores regulares de sangue para um hospital veterinário. “A cada quatro meses nossos parceiros caninos vão cumprir com o dever de cidadãos e auxiliam outros cães que precisem de sangue saudável”, conta Hespanha.
Ajuda canina
A cadela Chiara, de um ano e oito meses, é cria do canil central e filha de pais que também já eram da unidade. Na sua primeira operação de busca nas celas do Presídio Antônio Dutra Ladeira, ela encontrou cinco celulares e três carregadores que estavam escondidos em um buraco coberto por uma massa no chão de uma das celas.
Os agentes que acompanharam a revista com a cadela contaram que quando ela sinalizou o local, eles duvidaram que fosse possível ter algo ali. “Ela parou no local e ficou mostrando que havia algo, mas o chão estava tão alinhado que pensamos que ela estivesse enganada. Depois de mais uma circulada, ela voltou ao mesmo local e sinalizou novamente. Aí, checamos e descobrimos o buraco com o material ilícito”, contou o agente e adestrador do canil, Ivo Martins.
Além da atuação dentro das unidades prisionais, muitas vezes os cães são cedidos para atuar de forma integrada em operações com outras instituições como as polícias Militar, Civil, Rodoviária, Federal e a Guarda Municipal de alguns municípios.
No início do ano, o caso do sumiço de um idoso em Campanha, no Sul do estado, foi solucionado com o auxílio da experiente cadela Nina, uma pastor belga mailiois, do GOC da Penitenciária de Três Corações. O senhor, de 69 anos, que sofre de mal de Alzheimer, estava desaparecido por três dias quando foi encontrado pelos cães. Para auxiliar nas buscas foram utilizados uma peça de roupa e um chapéu do idoso para facilitar no reconhecimento do cheiro.
O senhor foi encontrado em uma região de matagal a cerca de 4 quilômetros de distância do asilo onde ficava. De acordo com a equipe que atuou nas buscas, o trabalho dos cães farejadores foi imprescindível na indicação dos rastros que levaram até o desaparecido.
Aposentadoria
Assim como para os humanos, chega um momento na vida dos cães que é hora de encerrar as atividades e ter o merecido descanso. A aposentadoria dos “cães agentes” acontece quando eles completam oito anos de trabalho ou dez anos de idade.
Na época do desligamento, os cães são disponibilizados para adoção. Primeiramente, eles ficam disponíveis para os agentes com quem trabalharam diretamente. Caso eles não tenham interesse, o processo é aberto para servidores de outras unidades e, por fim, para a sociedade civil. Hespanha conta que geralmente os próprios adestradores ficam com os cães. “A gente constrói uma relação de confiança, cumplicidade e amizade com eles que é difícil não querer mantê-los por perto”.