O impacto da pandemia do novo coronavírus (covid-19) na economia brasileira não deixaria de fora o futebol. E um estudo divulgado essa semana pela EY, assinado por Alexandre Rangel, Pedro Daniel e Gustavo Hazan, mostra que podemos retroagir em até três anos. Clubes como Cruzeiro e Botafogo, em especial, são os que mais preocupam. Segundo as estimativas, o mercado brasileiro – com receita total de R$ 6 bilhões em 2019 – poderá regredir a um patamar semelhante ao visto em 2016, com uma retração que varia de R$ 1,34 bilhão a R$ 1,92 bilhão.
Algumas premissas foram utilizadas nesse estudo da EY, e reconheço que algumas são bem drásticas. O estudo avalia o cenário com todas as competições sendo realizadas e finalizadas ainda em 2020, mas sem público. Fontes de receita, como direitos de transmissão e premiações, teriam redução de 30% a 40%, com a ressalva de que alguns clubes tem valores mínimos garantidos, o que os faz mais imunes a essa queda – casos de Corinthians, Flamengo, Grêmio e Palmeiras. As transferências de jogadores para o exterior também devem diminuir, mas a desvalorização do real pode compensar essa perda, estimada de 25% a 40%. E sem público, os clubes não terão receita de rendas e deverão perder sócios-torcedores. Em resumo, na média, a queda seria de 22% a 32%, esse percentual no pior dos cenários.
Mais do que nunca uma administração bem estruturada se faz necessária em um momento como esse. Não é de agora que toco nesse assunto, e não são poucas as análises que mostram que clubes como Flamengo e Palmeiras se sobressaem no cenário nacional. Os analistas, aliás, sempre citam outros clubes como exemplos de administração, e aí se incluem Bahia e Fortaleza.
Faturamento do Flamengo supera os R$ 3 bilhões
A receita total dos clubes brasileiros chegou a R$ 6 bilhões em 2019, crescimento de 17% em relação a 2018. O Flamengo, com receita de R$ 950 milhões, representou 16% desse total. O Palmeiras, com R$ 642 milhões vem em seguida. Esses dois clubes, nos dois últimos anos, ampliaram a vantagem para os demais. E não foi à toa, já que são os que apresentam as melhores administrações. É importante ressaltar dois tópicos: os clubes gaúchos, Grêmio e Internacional, aparecem entre as quatro maiores receitas; e nove clubes tiveram faturamentos recordes no ano passado – Athletico-PR, Atlético-MG, Bahia, Ceará, Flamengo, Fortaleza, Goiás, Internacional e Santos. (veja gráfico no fim da coluna)
Os tricolores baiano e cearense merecem ser destacados, e se aparecem bem no ranking devem isso a suas torcidas. No gráfico referente às receitas em dias de jogos, incluindo faturamento com camarotes e bares, venda de ingressos e programa de sócio-torcedor, Fortaleza e Bahia superam Atlético-MG, Santos, Fluminense e Botafogo, por exemplo. Com marca própria de material esportivo, eles ocupam, respectivamente, os 8º e 9º lugares no ranking das receitas comerciais. Não custa lembrar que o Bahia esteve na Série B em 2015 e 2016, enquanto o Fortaleza estava na Série C até 2017. Atenção a eles, portanto.
Quando são considerados os cinco últimos anos, Flamengo e Palmeiras dão um salto ainda maior. No acumulado do período, o Rubro-Negro carioca vai a R$ 3,008 bilhões, enquanto o Palmeiras atinge R$ 2,628 bilhões. O Verdão supera o rival Corinthians, terceiro colocado, em cerca de R$ 500 milhões. O São Paulo, quarto colocado, fecha o ranking dos que bateram a marca dos R$ 2 bilhões.
Endividamento dos clubes também é recorde
Mas o futebol não é feito apenas de receitas. E o endividamento também é alto. Aliás, ano passado, atingiu a marca histórica de R$ 8,35 bilhões, 15% a mais que em 2018. E é nesse grupo dos mais endividados que os efeitos da Covid-19 poderá ter efeito ainda pior.
O Botafogo é o clube que apresenta o maior endividamento líquido, com R$ 819 milhões, seguido pelo Cruzeiro, com R$ 799 milhões. Se em 2018 apenas quatro dos 20 clubes analisados apresentavam valores acima dos R$ 600 milhões, agora eles são sete: Internacional, Corinthians, Atlético-MG, Fluminense e Vasco. O Colorado aparece nessa lista porque cedeu algumas áreas do Beira Rio para exploração comercial, sem desembolso financeiro. (veja gráfico no fim da coluna)
O Cruzeiro, ano passado, foi quem apresentou o maior déficit, quando se analisam os resultados operacionais dos clubes – R$ 394 milhões. É o quinto ano seguido com desempenho negativo, o que leva a Raposa ao déficit acumulado de R$ 540 milhões desde 2015.
E agora, então, chegamos à conclusão preocupante. O estudo da EY relaciona o endividamento líquido com a receita total. E o Sport, que ano passado estava na Série B, atinge o índice de 4,53, ou seja, o endividamento é 4,5 vezes maior que o faturamento. Quase ao lado vem o Botafogo, com 4,29, seguido por Vasco, Cruzeiro, América-MG e Fluminense, todos com índice acima de dois pontos. A chegada da Covid-19, com um mercado de transferências menos aquecido esse ano, vai dificultar a tentativa de recuperação desses clubes. Na outra ponta da tabela, Grêmio, Palmeiras, Athletico-PR, Flamengo, Goiás, Fortaleza e Ceará, em ordem decrescente, estão abaixo de 1. O distanciamento promete aumentar no fim da temporada.
Por Sergio du Bocage, apresentador do programa No Mundo da Bola, da TV Brasil.